Entenda a demissão do CEO da Petrobras pelo Presidente Jair Bolsonaro à luz da Governança Corporativa

O Presidente da República, Jair Bolsonaro, decidiu não reconduzir o atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Ele indicou para o cargo o general Joaquim Silva e Luna, atual diretor de Itaipu Binacional.

Antes de anunciar a decisão, Bolsonaro já criticava a estatal em razão de reajustes nos combustíveis. A novidade foi mal recebida por analistas e até por antigos aliados do presidente. Como reflexo, as ações da Petrobras caíram na Bovespa e na bolsa de Nova York, a estatal perdeu mais de R$ 100 bilhões em valor de mercado, e o dólar subiu.

De forma adicional, Bolsonaro também publicou um decreto que obriga postos de combustíveis em todo o país a informar a composição do valor cobrado na bomba. A informação deve ser colocada em um painel, em local visível. A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes, por sua vez, divulgou nota afirmando que os postos terão dificuldade para cumprir o decreto, pois são substitutos tributários.

Acontece que o Presidente da República pode muito, mas não tudo. Ele não pode demitir o presidente de uma estatal com apenas um telefonema. Essa troca deve seguir um rito: o Ministro das Minas e Energia precisa enviar uma carta ao presidente do conselho da empresa, dizendo ter um nome que a União deseja eleger como conselheiro e presidente. Vale lembrar que, de acordo com o estatuto da Petrobras, o presidente deve vir do conselho.

Se o conselho recusar o nome proposto, causa desgaste no governo, e a União deve chamar uma assembleia geral extraordinária, para trocar todo o conselho – envolvendo nomes respeitados em uma crise política que troca diretamente o coração da governança da empresa.

E não para por aí. O nome do novo presidente precisa passar primeiro pelo Comitê de Pessoas, depois pelo crivo do Comitê de Auditoria, checagem de background feita pela diretoria de governança da Petrobras, e só depois disso tudo o nome passa para apreciação do conselho. Todo o processo demora pelo menos duas semanas.

Uma das maiores investidoras da Petrobras, a Aberdeen Standard Investments, enviou uma carta ao conselho de administração da estatal. A intenção foi alertar para os prejuízos que a interferência do Governo Federal pode causar à companhia.

A Aberdeen tem cerca de 67,3 milhões em ações PN da Petrobras, o que equivale a 0,5% do capital. A gestora conta com, no total, cerca de R$ 4 bilhões investidos no Brasil – isso entre renda fixa e variável.

A mudança no comando da Petrobras simbolizou uma nova fase do governo Bolsonaro, agora menos ligada à racionalidade econômica e com mais atenção na garantia de preços módicos em tudo aquilo que o Governo puder interferir. E é claro que agora vivemos um cenário de ainda mais incertezas, semeadas pelo presidente.

Um dos idealizadores da ação coletiva que levou a Petrobras a pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar disputa judicial com acionistas nos EUA, já ameaça ir à Justiça americana novamente.

O advogado André de Almeida tem na carteira de clientes fundos de investimentos que são acionistas da estatal. Ele acredita que a forma como Jair Bolsonaro anunciou a mudança no comando da companhia é um exemplo de ilegalidade. Para ele, a política de preços da estatal não deve ser usada como política pública.

A indicação de Joaquim Silva e Luna pode contrariar a Lei das Estatais, de acordo com o senador Tasso Jereissati, relator da lei aprovada em 2016.

Inclusive, Tasso redigiu uma carta aos conselheiros da petroleira e ao presidente da Comissão de Valores Mobiliários, onde cita regras que exigem formação acadêmica compatível com o cargo, experiência mínima de 10 anos na área de atuação da empresa, ou 4 anos em estatais de objeto social semelhante.

Na carta, o senador manifesta enorme preocupação com a decisão do governo. O conteúdo do documento, na íntegra, você confere abaixo:

“Senhor Conselheiro,

Ao cumprimentá-lo, venho respeitosamente registrar minha enorme preocupação com a decisão do senhor presidente da República, conforme amplamente divulgado por ele próprio em suas mídias sociais, com forte repercussão na imprensa, no sentido de encaminhar a substituição do presidente da Petrobras S.A.

As razões para essa decisão não parecem visar os interesses da empresa e sim a subordinação desses àqueles do acionista controlador ou, antes, à objetivos de políticas públicas sem a correspondente compensação. O processo de substituição, pelo que se está sendo noticiado, tampouco parece considerar as exigências legais para o acesso ao cargo de membro, na condição de presidente, da diretoria.

Permita-me ressaltar que a Lei nº 13.303/2016, a Lei de Responsabilidade das Estatais, foi elaborada exatamente para modular e disciplinar a relação entre o controlador, pessoa de direito público, e suas respectivas sociedades de economia mista e empresas públicas. O objetivo é garantir que sua gestão se dê de acordo com as melhores práticas internacionais.

Nesse contexto, a Lei de Responsabilidade das Estatais, no inciso I do art. 8º, exige que sejam explicitados os compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela empresa estatal, inclusive suas subsidiárias, com definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim. Quis-se, com isso, evitar a subordinação dos interesses da empresa àqueles do dirigente político que, pelo período de um mandato, acumule, a um turno, a responsabilidade executiva da ação governamental e, a outro, exerça o controle sobre essas pessoas jurídicas de direito privado, que atuam no mercado em regime de competição.

Foi para servir a esse mesmo objetivo que a Lei nº 13.303/2016, desta vez em seu artigo 17, estabelece exigências aos indicados à diretoria, inclusive seu presidente, pelo controlador. Destaco a exigência de, no mínimo, dez anos na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista, como consta da alínea “a” do inciso I do mencionado artigo; ou aquelas elencadas na alínea “b” para egressos de empresas com porte ou objeto social semelhante àquele da empresa estatal, para profissionais do setor público e para docentes e pesquisadores especializados na área de atuação empresarial respectiva. Além disso, em seu inciso II, exige-se formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado.

Nesse momento em que o Brasil necessita de sociedades de economia mista e empresas públicas geridas dentro dos mais altos padrões, prática fundamental para sustentarmos o incipiente processo de recuperação da atividade econômica e do bem-estar social, estou seguro que a Petrobras S.A. fará o devido uso da Lei de Responsabilidade das Estatais para continuar garantindo o atendimento do interesse coletivo em se fundamentou sua instituição.

Atenciosamente,

TASSO JEREISSATI
Senador”

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