A saúde como produto de consumo

A relação entre tecnologia e saúde é tensa. Em janeiro deste ano, Elizabeth Holmes, fundadora da Theranos, foi condenada por mentir para investidores sobre as capacidades da tecnologia de exames de sangue da empresa. A Theranos é uma startup que já simbolizava a promessa de combinar o dinamismo do Vale do Silício com o mercado da saúde.

Sistemas de saúde caros e burocráticos, muitas vezes dominados por intermediários, vêm sendo superados por empresas que priorizam os pacientes e os atendem onde estão – através da telemedicina, e os dão mais controle sobre como acessar os cuidados.

Avanços científicos como sequenciamento de genes e inteligência artificial possibilitam novos modelos de atendimento. Farmácias online atendem e recebem prescrições, dispositivos como relógios são capazes de monitorar a saúde dos usuários em tempo real, plataformas de telemedicina conectam pacientes e médicos, e exames domiciliares facilitam diagnósticos.

Cuidados de saúde consomem 18% do PIB nos Estados Unidos. Isso é o equivalente a US$ 3,6 trilhões por ano. Nos demais países desenvolvidos, a proporção é menor: em torno de 10%, mas aumenta conforme as populações envelhecem. A pandemia tornou as pessoas mais acomodadas com serviços online, incluindo atendimento digital.

O banco de dados CD Insights estima que investimentos em startups de saúde digital quase dobraram em 2021, chegando a US$ 57 bilhões. Startups de assistência médica avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais, agora somam 4 vezes o valor de cinco anos atrás. Esses “unicórnios”, como são chamadas as startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, estão competindo com empresas de saúde e gigantes da tecnologia, para melhorar a saúde das pessoas e evitar que elas adoeçam. Os pacientes são transformados em consumidores.

Há muito tempo que cuidados com a saúde do consumidor era o mesmo que analgésicos vendidos sem receita, xaropes, cremes faciais ou band-aids vendidos por grandes fabricantes de medicamentos. A Johnson & Johnson, empresa farmacêutica mais valiosa dos EUA e do mundo, é um exemplo de organização que está separando as divisões pouco inovadoras. Os negócios de consumo de última hora devem enriquecer à medida que se tornam mais inventivos. Operadores mais aventureiros já experimentam a digitalização e a consumerização – termo utilizado para designar o hábito de utilizar dispositivos como notebooks, tablets e smartphones tanto para uso pessoal quanto corporativo.

Outro grupo de empresas com ambições de saúde do consumidor é a big tech. Após diversas tentativas frustradas de entrar na área da saúde, como aquela plataforma da Google para dados pessoais de saúde que foi descartada em 2011, os gigantes da tecnologia finalmente encontram seu lugar ao sol neste setor. Segundo a CB Insights, a Alphabet, Amazon, Apple, Meta (nova controladora do Facebook) e Microsoft investiram coletivamente cerca de US$ 3,6 bilhões em negócios relacionados à saúde no ano passado. Essas empresas estão ativas em duas áreas: dispositivos e dados. Especialmente smartwatches, smartbands e serviços de saúde com processamento de dados baseados em nuvem.

Há também as novas empresas, que oferecem produtos e serviços de vários graus de complexidade, o que vai desde telemedicina até um serviço que fornece profilaxia pré-exposição para pessoas em risco de contrair o HIV.

A telemedicina prosperou porque a covid-19 prejudicou a capacidade das clínicas e adiou consultas de rotina por conta do risco de contaminação. A chinesa WeDoctor foi avaliada em quase US$ 7 bilhões da última vez. A americana Teladoc foi listada com valor de mercado de US$ 13 bilhões e registrou receita de US$ 520 milhões no terceiro trimestre do ano passado.

O diagnóstico domiciliar também é outra área em rápido crescimento, embora o escândalo Theranos trouxe certa reputação negativa ao diagnóstico do consumidor. Agora, a melhora da tecnologia reabilita o campo, e a pandemia também acostumou muitos pacientes a serem testados em casa. Lembrando que há também dispositivos de autoteste, que checam desde o nível de açúcar no sangue até amostras de fezes.

A tecnologia de consumo demorou para atingir a saúde porque o setor é altamente regulamentado e não compartilha da mentalidade de “agir rápido” do Vale do Silício. Contudo, os últimos anos mostraram que a disrupção é possível, mesmo em indústrias sujeitas a regras. A Apple, por exemplo, ao adicionar a função de eletrocardiograma em seu novo relógio, consultou a FDA dos EUA e obteve uma autorização.

Alguns produtos realmente não vão dar certo, e os órgãos reguladores continuam com autoridade de interromper o lançamento de certos objetos e tecnologias. Mas, quando autorizados, vêm para trazer praticidade e maior controle da saúde à população.

Fonte: The Economist

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